sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Resenha



                                        
 
Casa de Consertos: um romance juvenil teatralizado
(Neide Medeiros Santos – Crítica literária FNLIJ/PB)
            Un escritor no es solo un señor que publica libros y firma contratos y aparece en televisión. Un escritor es, tal vez, un hombre que establece su lugar en la utopía.
            (Abelardo Castillo. Ser escritor)
            O livro “Ser escritor”, de Abelardo Castillo, Seix Barral, 2010, reúne textos que discorrem sobre o escritor, o ato de escrever, reflexões a respeito de ética literária e política. Abelardo Castillo é novelista, contista, dramaturgo e ensaísta. É escritor latinoamericano de sólido prestígio nos meios literários.
            Neste livro, encontramos um breve ensaio – “Literatura y taller” que nos levou ao encontro do livro juvenil de Eloí Bocheco – “Casa de consertos” (Ed. Melhoramentos, 2012), com ilustrações de Walther Moreira Santos.
            O que nos diz Castillo neste ensaio? Ele aconselha que se faça a leitura de um bom conto em voz alta, o mesmo deve ocorrer com uma peça teatral. Se o texto puder ser lido por seu autor sem enfadar o auditório, a peça deve ser montada. Quando fizemos a leitura de “Casa de consertos”, sentimos que estávamos diante de um texto que poderia ser dramatizado e encenado nas escolas, como aconteceu com “Sebastiana e Severina”, de André Neves.
            Para corroborar o que afirmamos, vejamos algumas passagens do livro.
            O cenário do romance é a casa da avó da protagonista – Vó Sofia, uma enfermeira aposentada que mora em um casarão cheio de “lugares maneiros, tipo esconderijos”. Depois que se aposentou, tornou-se uma “consertadeira de brinquedos”. A menina Olímpia, sua neta, costuma passar as férias na casa da avó.
            O texto contém muitos diálogos, fato que o aproxima do texto teatral. Vó Sofia, além de conversar por telefone com as pessoas interessadas no conserto dos brinquedos, dá dicas de livros, recomenda leituras e recita poemas. O seu interesse por livros surgiu na época em que era enfermeira, andava sempre com uma malinha cheia de livros que lia para os doentes nas visitas que fazia ao hospital infantil da sua cidade.  
            Muitas pessoas vão até à casa de Vó Sofia, algumas para consertar brinquedos, outras para pedir conselhos e receitas. Para cada caso, ela tem um remédio certo, vai conversando com os fregueses e nunca deixa de dar um “remedinho literário”. Para Dona Clarice, que estava se separando do marido e muito depressiva, receitou um livro de poemas de Mário Quintana; para Dona Clara, que considerava o mundo um caos, ela deu um livro de Manoel de Barros; Para Carlos, um leitor de poucos livros, veio esta receita – um texto de Josué Guimarães. As receitas sempre continham um livro de poesia.   Bem humorada, vó Sofia tem um pouco de Tatiana Belinky, de Sylvia Orthof, de Cecília Meireles e, com certeza, foi leitora de Monteiro Lobato na infância.
            Quando abriu a oficina de consertos, Vó Sofia reformava brinquedos das crianças da vizinhança, dos bairros mais próximos de sua casa, depois a noticia se espalhou e começou a receber encomendas de brinquedos quebrados de outras cidades. Às vezes era uma boneca sem perna, outras vezes era um cavalinho de pelúcia sem crinas.
            Enquanto a avó consertava os brinquedos, Olímpia atendia ao telefone e conversava com os fregueses – a menina queria saber tudo – como foi que a bailarina perdeu a cabeça? Por que o palhaço de pano que dava risada, cambalhota, cantava, dançava, parou de repente?    
            Cada brinquedo vinha acompanhado de uma história. A galinha dos ovos de ouro (ouro de mentirinha) foi deixada por Seu Ernani. Ele queria consertar a galinha que não punha mais ovos para mandar para a filha que estava estudando na Austrália. Por sentir saudades do Brasil, a moça cismou que queria a galinha dos ovos de ouro perto dela, era o brinquedo preferido de sua infância.
            O palhaço Primo foi atacado por um gato, ficou todo amarrotado, virou um verdadeiro espantalho. Como era feito de pano, não foi fácil consertá-lo. A reforma foi total – Vó Sofia colocou olhos de botões, a roupa de feltro cor laranja, a boca e o nariz verdes, os sapatos listrados e o chapéu furta-cor. Ficou novinho em folha. 
            Mas as férias terminam e Olímpia, com muitas saudades do casarão e da vó Sofia, deve voltar para casa. Nas férias do próximo ano, estará novamente na casa da avó atendendo ao telefone, conversando com os fregueses e se divertindo com as histórias desses brinquedos cheios de ternura e de boas recordações.
            Para conhecer um pouco da história desse livro, transcrevemos algumas palavras da escritora e do ilustrador:
            “O costume de consertar os objetos queridos, especificamente os brinquedos, foi uma coisa que me fascinou toda a infância. As bruxinhas de pano, gastas pelo uso intenso nas brincadeiras, quando eram recuperadas pelas vós e tias, reencantavam-se. Era um prazer dobrado andar com elas pelas ruas da imaginação.” (Eloí Bocheco).
            “Ilustrar esta história maravilhosa de Eloí Bocheco foi como voltar a ser criança e reencontrar aquela bola de gude perdida, aquele trenzinho que tanto desejei no Natal e nunca ganhei. [...] E sabe o que é melhor num livro que a gente gosta? É que, igual a um brinquedo, a gente pode voltar a ele sempre que quiser e assim descobrir novas maneiras de se encantar.” (Walther Moreira Santo


Resenha veiculada no Caderno Cultural do  Jornal Contraponto, de João Pessoa PB em 01 de novembro de 2012

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